Pablo Neruda

"Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. A minha alma não se contenta com havê-la perdido. Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a. O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores. Nós dois, os de então, já não somos os mesmos. Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei. Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido. De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos. Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda. É tão curto o amor, tão longo o esquecimento. Porque em noites como esta tive-a em meus braços,a minha alma não se contenta por havê-la perdido. Embora seja a última dor que ela me causa,e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo." - Pablo Neruda

terça-feira, 9 de abril de 2013

Presa na garganta



Acordei mais cedo que de costume devido à febre e a dor de garganta. À medida que os minutos passavam, os calafrios surgiam em intervalos cada vez menores e após muito refletir, decidi que o melhor a fazer era ir ao hospital tomar uma injeção. Francamente, trocar um dia de trabalho por uma benzetacil, era uma péssima escolha, porém, necessária.
   Com muito custo, saí da cama, avisei que não teria condições de trabalhar e fui ao pronto socorro. O diagnóstico foi rápido e preciso: infecção nas amígdalas. Oh! Nem imaginava! Ainda, tive a opção de escolher entre antibióticos orais ou aquela temida injeção. Fiquei com a segunda opção, tamanha a desgraça física em que me encontrava, mesmo sabendo que ganharia uma nova dor por mais alguns dias. Tortura concluída, voltei mancando para casa.
   Corpo quebrado, bunda doendo e sono chegando, agora sim, poderia repousar o resto do dia!
   Mal cheguei em casa e o telefone começou a tocar, pensei em não atender  já que precisava falar pouco, mas tinha certeza que era coisa rápida.
   -Alô? Oi vó, tudo bem? Quê? Mas o que aconteceu? Para de chorar e me conta. Ah, meu deus... eu tô doente vó, mas venha aqui em casa ficar com a gente até se acalmar, te buscamos naquele ponto de ônibus antes da Ricardo Jafet.
   E lá fui eu arrastando a perna,  atravessando a ponte de madeira podre da avenida para encontrar minha avó aos prantos.
   - O relógio do seu avô! Que burra que fui! (e chorava). Pensei que eles precisavam de ajuda para resgatar o prêmio do bilhete da loteria. O que é que eu fui fazer? Dei o relógio de ouro do seu avô... (e chorava mais um pouco).
   Finalmente entendi o que havia acontecido. Comecei a lembrar da correntinha  que esteve presa na calça do meu falecido avô desde que me conheço por gente. A corrente que seguia bolso adentro terminando num lindo relógio de ouro que era retirado poucas vezes ao dia. Era a herança que ele havia deixado. O objeto que mais representava o Sr. Castro, estava,naquele momento, nas mãos de um desconhecido, sabe-se lá onde.
   Minha avó era a culpa encarnada, não se perdoava por ter caído no golpe do bilhete premiado, jamais se perdoaria por tal deslize.
   A notícia correu e o telefone de casa se tornou a linha das lamentações. Eu e minha irmã, já havíamos escutado a tal história umas onze vez e nos solidarizamos em cada uma delas.  E assim, meus planos de repousar o resto do dia foram por água a baixo.
   Tv ligada e lanchinho para distrair a Dona Adria, eu sentada de lado porque minha perna inteira doía, os gatos assustados, minha irmã perdida no caos da sala e uma irritação começou a surgir em meu peito. O choro foi ficando mais baixo e passamos a ouvir uma outra voz vinda da rua, a trilha sonora começou a mudar.
   - Olha aí, olha aí freguesia, são as deliciosas pamonhas! Pamonhas fresquinhas pamonhas caseiras é o puro creme do milho verde. Temos pamonhas doce, pamonhas de sal, “souvete” e bolo de milho. Venha provar minha senhora, é uma delícia!
   Era só o que faltava, o carro da pamonha estacionado na pracinha, espalhando pelo bairro o tal texto obsessivo compulsivo. Não era possível que além de toda aquela “falação” em casa a voz daquela gralha da pamonha aumentasse pouco a pouco.
   Eu não merecia aquilo! Estava doente! Que falta de respeito!
   ... temos pamonhas doce, pamonhas de sal, “souvete” e bolo de milho. QUE DIABOS É UMA PAMONHA DE SAL???  É salgada sua idiota! Essa vaca não sabe falar a palavra SOR-VE-TE???
   Meu sangue fervia, mas logo o carro seguiria seu rumo e irritaria outras pessoas, ao menos era o que pensava.
   À medida que o som se aproximava, minha avó aumentava o volume do choro, eu o da televisão e o telefone continuava a tocar, alguns minutos enlouquecedores até o som ficar ensurdecedor. O carro da pamonha parou na minha porta!
   -Olha aí, olha aí freguesia, são as deliciosas pamonhas!
   Aquilo era demais para mim!!!  Esqueci toda a dor e o repouso das cordas vocais e saltei em direção ao portão.
   - Sua filha da puta! Enfia essas pamonhas no cú!!!!
   - O que? A senhora quer pamonha???
   Ao ouvir aquela pergunta estúpida, me agarrei ao portão trancado esperando que o cadeado estourasse com a minha fúria. Naquele momento, eu parecia um gorila enlouquecido numa jaula.
   Aos berros, acabei ameaçando a motorista do carro da pamonha,  por sorte, o portão não abriu, e logo o sedan vinho começou a se movimentar para buscar uma nova freguesia.
   E lá continuei, pensando que aquele ataque de fúria conseguiu ser pior que a dor de garganta e a benzetacil  e que jamais deveria ter saído da cama aquele dia.


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